plural

PLURAL: os textos de Atílio Alencar e Fabiano Dallmeyer

  • Sagração do outono
    Atílio Alencar
    Produtor cultural

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    Vitor Ramil, num ensaio que viria marcar sua obra, quis diferenciar o sul que habitamos do resto do Brasil por uma linha divisória entre o frio conterrâneo e o calor predominante nas outras regiões do país. Segundo ele, essa contradição climática é um fator de primeira grandeza na formação do nosso estilo de vida, de pensamento e criação formal. A tal estética do frio, no entanto, é uma tese que guarda algumas inconsistências, de pronto já contestável pelo sufoco que passamos nos escaldantes verões gaúchos. Conhecemos o frio e eventualmente até o apreciamos, mas o calor nem de longe é um estrangeiro por essas bandas.

    Isso me leva a pensar que talvez o clima mais propriamente nosso esteja em algum lugar entre os opostos, sem com isso querer dizer que o calor abrasivo e a friagem não sejam também componentes do nosso jeito de ser. Penso isso enquanto vejo o outono se instalando sem pressa abril adentro, se conformando em cadência e luz na brevidade dos dias novos e das folhas velhas. 

    Acho até injusto que se chame de meia-estação a temporada que separa o verão do inverno, como se fosse transição pura, sem substância ou propriedade. O outono tem vida própria, identidade híbrida e cores incomuns à paleta das temporadas extremas. Não é a metade de um caminho; mas um caminho do meio, fragmento e amplitude, superfície e fundura.

    INSPIRAÇÕES

    Só no outono, posso abrir a porta de casa e sentir no olho a flor púrpura do maracujá. Mais tarde, o azedo do fruto que virá da flor; mais cedo o março que se esvai em frestas de luz difusa, presente ainda nas reaparições do verão. Ouvir o zumbido das abelhas que trabalham pacificamente na aroeira inspira uma quietude contemplativa, que a agitação das cores logo interrompe. A resina da mesma aroeira gotejando, dura e líquida, dos galhos mais altos e dos galhos mais baixos, a doçura da pimenta rosa roubada pelo colibri paralisado no ar - tudo se conforma numa ópera serena, para a qual os gatos formam uma plateia paciente e perigosa, de garras lambidas. Ainda não é o inverno, e o verão há pouco esteve aqui.

    De longe, o riso de uma criança que já passou, como a luz de uma estrela fugaz, abre espaço entre os brinquedos da pracinha e sobe pela torre da igreja, pelos olhos obscuros de uma casa semiaberta, pelo arranjo atroz da uva e do arame. O outono é também a estação da sede do primeiro vinho, dos crepúsculos silenciosos.

    Sobre todas as coisas (sobre essas ideias, inclusive), flutua a sombra ponderada de uma paineira em flor, a árvore que anuncia e guarnece a estação. É a última aquerela antes do frio e suas neblinas. No longo fim de tarde que é o outono, sempre um pássaro cruza o céu e canta, com um trinado de milonga, a canção passageira do equinócio.

    A louca*
    Fabiano Dallmeyer
    Fotógrafo

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    Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança, ou simplesmente Dona Maria I, nasceu dia 17 de dezembro de 1734, em Lisboa, Portugal. Era filha de José Francisco António Inácio Norberto Agostinho, o D. José I, e da Mariana Vitória de Bourbon, a Infanta de Espanha. Quando Portugal foi invadido pela coligação franco-espanhola, a família real fugiu para o Brasil, em novembro de 1807. Com a morte do seu pai em 1777, ela se tornou rainha. D. Maria I tinha depressão profunda e, depois de enfrentar a morte do marido, do tio, da filha, do genro, do filho mais velho e do seu amigo confidente, Frei Inácio, nunca mais foi a mesma, sendo chamada de louca. 

    Longe de ser mesmo louca, foi vítima do aumento em seu quadro de depressão, que foi usado por uma oposição que estava incomodada com uma mulher no poder absoluto do reino. A rainha governava com base em três objetivos: mobilizar a vida pública; proporcionar melhorias no campo; e realinhar a relação da sociedade portuguesa com Deus. Após viver por oito anos no Brasil, faleceu no Convento do Carmo, no Rio de Janeiro, em 20 de março de 1816. 

    MARIA VAI COM AS OUTRAS

    Por ter seus problemas de saúde, ela se tornou incapaz de governar e foi afastada do trono. Viveu sempre reclusa e era vista apenas em seus passeios, acompanhada de suas damas de companhia. Este fato originou a expressão popular "Maria vai com as outras", usada para definir uma pessoa que não demonstra ter opinião própria, de tomar decisões, ou ainda de ter iniciativa. 

    AS NOVAS MARIAS

    Podemos traçar um paralelo entre a história e os tempos atuais, com a oposição e suas tentativas de ataque ao governo, usando, muitas vezes, de acusações levianas e sem nenhum fundamento, como fez a oposição com a D. Maria I. Podemos, também, fazer outro paralelo entre a expressão popular e muitos fervorosos opositores, principalmente em ambientes virtuais. 

    Nos dias atuais, qualquer debate entre "situação e oposição" gera, quase de imediato, o uso de expressões como fascista (movimento político que se adapta a diferentes circunstâncias e se apropria de ideais de diversas ideologias) ou ainda piores denominações que não cabe repetir aqui, por pura falta de argumento, ou capacidade de debate. 

    A oposição é necessária para a plena democracia. Porém, seria de excelente crescimento para o coletivo, se muitas "Marias de internet" utilizassem mais o senso crítico, aprendendo a ter pensamentos próprios, lógicos e éticos. Professores não nos faltam. Sem esquecer-se de que, nesses novos tempos, precisamos ter calma. E sal grosso.

    *Este texto foi publicado, originalmente, em 18 de maio de 2020.


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